Mais autonomia, maior responsabilidade

O Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central criou o seu primeiro centro de responsabilidade integrado dedicado à Gastrenterologia em junho. Os responsáveis pelo serviço, que segue todos os anos mais de 30 mil pessoas, querem ajudar a tratar mais doentes, com a qualidade que os distingue como referência no SNS.

Um de junho foi o dia que marcou a entrada em funcionamento do Centro de Responsabilidade Integrado (CRI) de Gastrenterologia, criado no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) sob o compromisso, estabelecido pela administração com a equipa liderada pelo especialista João Coimbra, de “melhorar o desempenho” no acesso a esta especialidade.

Paulo Espiga, vogal do Conselho de Administração do CHULC

Paulo Espiga, vogal do conselho de administração assume que a criação de centros de responsabilidade integrados está inserida numa estratégia que passa por gerar as condições necessárias à melhoria de resultados. “Num centro hospitalar como este, o segundo maior do país, a criação de CRI’s é essencial para termos capacidade de governação e de gestão muito mais próxima das pessoas e muito mais autonomizada”, sublinha o responsável.

As melhorias introduzidas pelos CRI nos hospitais do SNS são consensuais entre os gestores e clínicos. Estes centros permitem melhorar o acesso dos cidadãos a cuidados de saúde, através de um modelo de organização possibilita também que a qualidade dos cuidados seja melhorada, resultando numa motivação maior das equipas por prever a atribuição de incentivos de produtividade aos profissionais, ou seja, que “sejam melhor recompensados pelo seu trabalho e desempenho”.

Além das melhorias já referidas, o CRI de Gastrenterologia do CHULC integra a vertente de investigação e geração de conhecimento, considerada fundamental para os seus obreiros – ”Não é o grito do Ipiranga, não é a independência, é trabalhar de forma diferente, autónoma, com objetivos muito bem delineados”, resume Paulo Espiga.

Dimensões e Objetivos Estratégicos
Âmbito Objetivo Estratégico
Acesso Melhorar o acesso à consulta externa
(redução da LEC e cumprimento progressivo dos TMRG)
Melhorar o acesso a MCDT
(reduzir lista de espera e tempo médio de resposta)
Qualidade Internamento
(redução das taxas de infeção, quedas e UPP)
Assegurar a satisfação do Utente
Ensino e Investigação Promover a formação pré e pós-graduada
Promover a investigação na área da Gastrenterologia
Eficiência Aumentar os Proveitos
(crescimento da atividade | rigor nos processos administrativos)
Reduzir os custos operacionais
Profissionais Fixar profissionais na equipa
Melhorar a satisfação dos profissionais


O CRI de toda a Gastrenterologia

Criar um Centro de Responsabilidade Integrado para todo o serviço de gastrenterologia é um desafio “gigante”, comandado pelo médico João Coimbra, pela Enfermeirachefe Cristina Carvalho e pela administradora hospitalar Maria João Freitas. Sobretudo quando cerca de quarenta por cento dos utentes que chegam ao CHULC, incluindo os que procuram outras especialidades, apresentam doenças no aparelho digestivo. A Gastrenterologia é, por essa razão, uma especialidade transversal a toda a instituição. “Mais tarde ou mais cedo, os doentes que acedem ao centro hospitalar, acabam por necessitar da nossa especialidade”, explica João Coimbra.

João Coimbra, especialista responsável pela criação do CRI Maria João Freitas, administradora hospitalar

A experiência adquirida por três dezenas de anos, período de tempo em que tem sido sempre acompanhado pela enfermeira-chefe do serviço Cristina Carvalho, dá o conhecimento necessário para perceber que só faria sentido desenvolver um CRI se este envolvesse todos os serviços e todos os profissionais. João Coimbra esclarece que “como temos uma visão global, não fazia sentido fazermos apenas um CRI para um setor da atividade. Quisemos um que abrangesse todos os médicos, enfermeiros, assistentes administrativos e profissionais de outras especialidades, que nos dão apoio, como por exemplo a anestesia… Abrangemos todos porque, no fundo, trabalhamos todos juntos em
prol do mesmo. O doente é um todo, não é apenas uma pessoa com doença do estômago, do fígado ou do intestino. Precisamos de ter essa abordagem holística”.

No fundo, na forma de funcionamento “não muda nada. Os métodos são os mesmos”, refere Cristina Carvalho. O serviço continua a centrar-se no doente e a ter como objetivo melhorar o acesso, fazer mais e melhor. O que altera é a maneira como se tomam decisões e a participação dos profissionais no que vai ser feito. A autonomia de gestão proporcionada pelo modelo CRI traz vantagens sobretudo quanto à eficiência do serviço.
Numa instituição com a dimensão do CHULC, os vários níveis hierárquicos que intervinham no processo de decisão resultavam muitas vezes em desconformidades. Os responsáveis da gastrenterologia acreditam que com a nova organização, as entropias existentes irão desaparecer.

Cristina Carvalho, enfermeira-chefe

À liberdade junta-se a motivação dos profissionais, que é obtida através de um estímulo que vai muito além do monetário. “Essa motivação pecuniária é limitada, esgotase no fim do mês. Há a outra motivação, a da satisfação com o que fazemos e o reconhecimento pelo nosso trabalho. Chega através do doente, quando fazemos tudo o que podemos por ele, e através dos nossos pares e da instituição, que reconhecem que estamos a fazer o melhor que sabemos”. João Coimbra acredita que este incentivo de “autonomia e compromisso” trazido pelos CRI poderá servir também de mote para combater a saída de profissionais de saúde do SNS.

“Para termos autonomia, temos que ter responsabilidade, não é?”. A Enfermeira-chefe Cristina Carvalho confessa que sentiu resistência à mudança junto de alguns colegas, mas “este foi um processo que chegou a bom porto. Estamos a funcionar bem. Sente-se que as pessoas trabalham de forma mais leve, com mais vontade”.

O plano de ação traçado para o CRI de Gastrenterologia assenta sobre várias reflexões, fruto de debates, ocorridos ao longo de anos, entre os profissionais envolvidos. Conversas prévias aos CRI que possibilitaram agora a minimização de resistências, embora estejam “todos conscientes que haverá dificuldades”, remata João Coimbra.

Num centro hospitalar que recebe anualmente cerca de 300 mil pessoas, refletidos em mais de um milhão e meio de contactos, o “gigante” da gastrenterologia cuida anualmente de cerca de 30 mil doentes, seja em consultas, hospital de dia, internamento e exames, realizadas por mais de 90 profissionais. Mas sobra ainda tempo para ouvir e estudar todas as dúvidas trazidas por outros serviços. “Temos um número imensurável de alguns milhares que não estão registados e que resultam de um trabalho de consultoria que fazemos. É um colega que nos telefona por causa de um problema de um doente, outro que nos encontra no corredor ou que vai ao nosso gabinete… “, acrescenta. Um trabalho invisível, de que fala com orgulho por demonstrar a confiança que existe nestes especialistas.

Afinal o que muda?

Apesar do CRI não ter trazido alterações de métodos e técnicas na área clínica, trouxe novos desafios aos profissionais. Como explica a administradora Maria João Rodrigues, o plano de ação definido tem como primeiro objetivo melhorar o acesso, e isso significa que “há um compromisso efetivo de aumento da produtividade. Só podemos facilitar o acesso com o aumento de respostas, mais rápidas, para chegar a mais doentes”.

Ou seja, agora o trabalho é feito de forma mais flexível, foi introduzida maior agilidade nos tempos de decisão e todos assumiram o acordo de conseguir cumprir esta meta. Incluindo o conselho de administração do CHULC que garante que vão ser criadas as condições necessárias para cuidar de mais doentes.

É por isso que, por exemplo, o CRI de Gastrenterologia já está a trabalhar com vários ACES da região, de forma a conseguir dar formação aos profissionais dos cuidados de saúde primários, para que estes consigam, com qualidade, tratar os doentes que estejam em condições de serem seguidos por serviços de maior proximidade.

A aposta na formação é, aliás, uma das mais valias deste centro de responsabilidade integrado, que quer ser reconhecido também pelo trabalho desenvolvido na área da inovação. Através da parceria que mantém com a Faculdade de Ciências Médicas (Universidade Nova de Lisboa), e que se traduz no desenvolvimento de formação pré-graduada, pós-graduada e investigação.

A equipa que lidera o CRI de Gastrenterologia no CHULC

“Queremos marcar, de forma estruturada, a diferenciação deste serviço que é já de referência para todo o sul do país”. Paulo Espiga pretende que este seja um serviço que consiga estabelecer uma relação de trabalho complementar com os restantes hospitais de média dimensão, fazendo com que os doentes sejam tratados onde estão, mas com o aconselhamento dos peritos do CHULC. “OS CRI são uma alteração de autoridade. Numa instituição como esta, muito conservadora, sabemos que este primeiro CRI vai ter dificuldades. Os próximos seis meses vão ser de ajustes. É um movimento de inovação que está a ocorrer, como já se passou nos cuidados de saúde primários. Há quem não queira participar, mas há muitos outros interessados. Sabemos das dificuldades, mas vai correr bem!”, acrescenta.

Além do CRI de Gastrenterologia, o CHULC tem em processo de criação o CRI de Oftalmologia Pediátrica (ver reportagem) e tenciona colocar em funcionamento mais dois centros de responsabilidade integrados até ao final deste ano.

Primeiros resultados

CRI de Gastrenterologia do CHULC definiu, na sua visão estratégica, cinco dimensões orientadoras da atividade, procurando associar objetivos estratégicos e, posteriormente, indicadores de desempenho que densifiquem e permitam aferir o cumprimento da sua proposta de reorganização da especialidade.

Tendo tido o seu início no passado dia 1 de junho, em pleno contexto de pandemia, o CRI-Gastrenterologia tem sofrido limitações à plena utilização da capacidade instalada no Serviço, determinadas pelas medidas de contingência implementadas nas instituições de saúde, por motivos de segurança clínica. Ainda assim, a flexibilidade introduzida pelo novo modelo de organização e um esforço acrescido por parte dos profissionais para mitigar os efeitos da redução da atividade programada, permitiu que os resultados da produção sejam, neste momento, muito próximos dos observados no período homólogo e, pontualmente, mesmo ligeiramente superiores.

                                                                                                                                                                              Fonte: CHULC
CRI de Urologia já em funcionamento no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central

O Centro de Responsabilidade Integrado (CRI) de Urologia, o primeiro da região de Lisboa e Vale do Tejo, iniciou atividade no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) no primeiro dia de setembro.

O novo CRI tem como meta “assegurar o desenvolvimento das melhores práticas clínicas, centradas na resposta às necessidades dos utentes, contribuindo para o aperfeiçoamento contínuo da qualidade dos cuidados, estimulando a melhoria do acesso e, em particular, o cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos”.

Fonte: Portal SNS