Recuperar o fôlego e ganhar qualidade de vida
ULSAM promove telemonitorização que melhora as condições de vida de doentes DPOC agudos.
Setenta e sete. É este atualmente o número de doentes, diagnosticados no nível agudo (o mais grave) da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), que estão a ser diariamente acompanhados pelo programa de telemonitorização a funcionar na Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM). A funcionar em pleno, a equipa de dois elementos, um médico e um enfermeiro, que gerem o programa estabelece como meta chegar aos duzentos e noventa doentes diagnosticados com DPOC de gravidade C e D, ou seja, doentes de risco elevado e muito elevado. O projeto da ULSAM, criado em 2014 pelo pneumologista Rui Nêveda e pelo enfermeiro João Silva, numa iniciativa pioneira que recebeu o apoio financeiro da ACSS (os projetos-piloto apoiados pela administração central incluíram cinco centros hospitalares), evoluiu e hoje funciona na íntegra na unidade hospitalar de Viana do Castelo.
A primeira experiência, iniciada a 1 de outubro de 2014, incluiu quinze doentes em condições de saúde muito instáveis, que os levava ao recurso sistemático às urgências hospitalares e/ou a vários dias de internamento. Os resultados obtidos em três anos de funcionamento demonstram o sucesso da experiência. A ida às urgências dos doentes acompanhados reduziu 45,8 por cento, o internamento hospitalar baixou de 22 por cento para 7 por cento e o número de dias de internamento diminuiu – foram registados menos 129 dias.
Rui Nêveda, o médico que impulsionou a concretização do projeto na região de Viana do Castelo, é um entusiasta, embora confesse os receios iniciais que teve quando lhe deu início. “Isto foi tudo novo. Aos poucos fomos construindo. É preciso paixão e muita dedicação”.
Num país desigual, onde os níveis de literacia em saúde divergem e onde a rede de telemóvel falha em muitos montes e vales, dizer a um doente que vai registar números numa plataforma diariamente, sem falhas, e ter sempre à mão um telefone portátil pode parecer uma tarefa difícil. “Sou dos que defende que a tecnologia deve adaptar-se ao doente e não o contrário”, afirma Rui Nêveda.
Para integrar o programa de telemonitorização realizado pela ULSAM, os doentes são inicialmente identificados e selecionados através de consulta com o pneumologista Rui Nêveda. De seguida, o utente recebe formação sobre os equipamentos e os procedimentos que necessita de realizar diariamente, sozinho ou com ajuda de familiares, nomeadamente o registo da informação monitorizável na plataforma de telemonitorização no domicílio da ULSAM, desenvolvida e gerida pela empresa portuguesa VitalMobile, que no terreno vai também dando apoio aos doentes e à equipa da ULSAM. Para cada utente é adaptado um algoritmo específico, programado em função dos seus parâmetros individuais, de forma a que o sistema emita um alerta sempre que os dados daquele doente surjam alterados, revelando uma anomalia no seu estado de saúde.
O sistema usa as cores dos semáforos: verde indica que os parâmetros estão normais, o amarelo notifica a falta de report diário do doente e o vermelho alerta para a variação anormal dos parâmetros. Quando se verificam as duas últimas situações, o médico Rui Nêveda ou o enfermeiro João Silva, também coordenador do Centro de TeleSaúde da ULSAM (ver caixa 1), telefonam para o utente para indagar sobre o seu estado de saúde. Se necessário, a medicação é alterada, para que o doente regresse aos parâmetros normais. Evita-se mais uma ida urgência. Garante-se uma melhoria de qualidade de tratamento ao doente.
Quase esquecer que se é doente
Ao fim de 10 anos a viver com dificuldades sistemáticas em respirar, Olindo Cortez, de 62 anos, voltou a fazer caminhadas, todas as manhãs, na praia. O sorriso alarga-se quando descreve a melhoria da qualidade de vida que sentiu ao longo de 2018, ano em que foi selecionado para integrar o programa. Durante este período, Olindo nunca foi obrigado a ir às urgências. Em 2017 tinha lá estado pelo menos meia dúzia de vezes.
“Agradeço muito aos doutores. Agora sinto-me segura”, acrescenta Natividade Carvalhido. Desde pequenina debatia-se com as constantes faltas de ar e idas permanentes ao hospital – “Tive um percurso muito duro”.
Aos 34 anos teve a reforma, com 88 por cento de incapacidade. Vivia aflita, sempre cansada, mas apesar das dificuldades criou 4 filhos. Hoje com 72 anos, Natividade vive a tranquilidade que o programa de telemonitorização lhe garante. “Passava a vida na urgência. Agora tenho esta ajuda…”, conclui emocionada.
Entre doentes e a equipa de dois elementos estabeleceu-se uma relação de confiança. Rui Nêveda e João Silva estão sempre disponíveis, sete dias por semana, 24 horas por dia. Sempre que necessário, revezam-se nas tarefas, mas não deixam os seus doentes sozinhos. Nunca. Nem nas férias.
Este é o “doente pobre” do SNS, diz o médico. São pessoas com uma doença incurável, muitas nascidas num meio sociocultural débil, que se aquece no inverno com as lareiras acesas, que ateia as queimadas, vive isolada, passa dificuldades e representa uma despesa para o SNS. Através da telemonitorização em casa, além das melhorias para o paciente, os custos de tratamento por doente diminuíram. Mesmo com a medicação e os equipamentos a serem fornecidos aos doentes pelo hospital.
“É possível fazer tudo em casa para estes doentes. Reabilitação, nutrição, apoio psicológico e cuidados de saúde”, explica Rui Nêveda. Recentemente um dos doentes apresentava sinais de insuficiência cardíaca. O pneumologista orientou o paciente e conseguiu controlar o surto. O doente nem precisou de ir para a urgência…
“Defendo o tratamento no domicílio. É um trabalho que se tem que ir construindo, com muita paixão e dedicação total. Esta é a batalha para o futuro”, conclui.
Centro de TeleSaúde da ULSAM
Criado a 29 de dezembro de 2017, o Centro de TeleSaúde da ULSAM tem como principal objetivo sinalizar doentes da região que reúnam as condições necessárias para serem incluídos no Programa de Telemonitorização de Doentes com DPOC no Domicílio. João Silva, responsável pelo centro, pretende ainda alargar a sua atividade a outras doenças crónicas como a hipertensão arterial, diabetes ou insuficiência cardíaca. O projeto piloto para utentes com insuficiência cardíaca já está a funcionar com o acompanhamento de dois doentes desde dezembro de 2018.
Através da criação do Centro de TeleSaúde, o projeto de Telemonitorização de Doentes DPOC no Domicílio foi assumido pela ULSAM como um programa autónomo da instituição que terá continuidade. A par foi desenvolvido o projeto “Viver bem, respirar melhor”, que permitiu a realização de 9007 exames à população local, com 1198 diagnósticos a resultar positivos.
Entretanto, o centro está já a trabalhar com algumas unidades de cuidados de saúde primários e continuados do Alto Minho, de forma a implementar programas integrados de apoio domiciliário e de valorização do percurso de doentes crónicos no Serviço Nacional de Saúde. Desde o início do ano já foram realizadas duas teleconsultas entre a ULSAM e unidades de cuidados de saúde primários da região.