Urgências só para quem não pode esperar
As chamadas “falsas urgências” continuam a encher os serviços de urgência dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) é um dos mais afetados, com taxas superiores a 50 por cento. Atualmente tenta contrariar esta opção dos doentes, mas sem grande sucesso. Os profissionais defendem que se devia melhorar o acesso aos centros de saúde e melhorar a informação.
Almerinda Correia, 74 anos, espera pacientemente na sala reservada para doentes não-urgentes existente no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca (HFF). Uma dor numa perna levou-a mais uma vez às urgências daquela unidade. E porquê ali? “Venho aqui porque sei que me fazem todos os exames que sejam necessários”. E não se importa de esperar o tempo que for preciso para ser atendida.
A preferência de Almerinda representa mais uma pulseira nas estatísticas das chamadas “falsas urgências”. No entanto, não terá sido uma escolha totalmente esclarecida. A doente acredita que uma ida ao médico de família demora tempo em demasia e desconhece alternativas para tratamento de situações agudas. Não sabe, por exemplo, que existe um Serviço de Urgência Básica (SUB) em Algueirão – Mem Martins (Sintra), criada pelo hospital precisamente para aliviar as urgências hospitalares. Já utilizou a Linha Saúde 24, mas desconhecia que se tivesse ligado primeiro para 808 24 24 24 ficaria isenta de taxas moderadoras. “Para a próxima vez telefono primeiro”, assegura.
Prefere-se ir ao hospital, por saber que ali é-se logo diagnosticado. E se for necessário exames, estes serão logo realizados. Vantagens ajudaram a criar o hábito na população de se dirigir automaticamente às urgências hospitalares, sem pensar nas alternativas. “É mais fácil”, explicam-nos.
O Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca serve uma população superior a 600 mil habitantes, residente nos concelhos de Amadora e Sintra. Diariamente atende uma média de 500 pacientes no SU. Na SUB de Algueirão – Mem Martins são atendidos mais cerca de 150 pessoas/dia, um número que tem crescido lentamente, mas que já tem efeitos no alívio necessário ao SU do HFF. “Chegam aqui maioritariamente idosos, sobretudo doentes hiperagudos. Também temos muitos pacientes mais novos que trabalham e não conseguem ir ao médico durante o horário laboral”, explica Sofia Varela, diretora do Serviço de Urgência.
O HFF introduziu uma inovação no início do ano. Criou uma sala de espera própria para doentes não-urgentes. Pensou-se que eventualmente que esta medida tivesse bons resultados, mas a mudança não teve efeitos no número de casos classificados com pulseiras verdes e azuis. Como resultados positivos, destaca-se a melhoria na organização do serviço de urgência. Em adicional, a existência de uma área própria para doentes não-urgentes permite dar maiores garantias ao utente que não ficará infetado por nova doença, através do contacto com os casos urgentes.
Informar melhor pode ser a solução
Os últimos dados, analisados e divulgados recentemente pela ACSS (disponíveis no Portal do SNS), mostram que a afluência de doentes não-urgentes às urgências hospitalares aumentou no último ano. Uma dúzia de unidades apresentam níveis de afluência acima dos 40 por cento. Oito registam mesmo percentagens acima dos 50 por cento, como é o caso do HFF (54 por cento).
A maioria dos profissionais, contactados pela reportagem do ACONTECE, atribui estes níveis à falta de informação. “A generalidade da população desconhece as alternativas”, confirma Sofia Varela. A falta de acessibilidade aos Cuidados de Saúde Primários em horários não laborais e maior confiança e rapidez do atendimento hospitalar, são os motivos adicionais que provocam o engrossar dos doentes não-urgentes nos SU.
Para a diretora do SU do HFF, a solução passa por melhorar o acesso aos CSP, sobretudo garantindo o alargamento de horário para a noite. “Também seria uma boa ideia criar o Gestor do Doente”, afirma.
Importante seria também melhorar a comunicação sobre as alternativas disponíveis, atualmente quase inexistente. “Colocamos alguns cartazes sobre a Linha 24, mas é evidente que isso não chega”, acrescenta. “A ida às urgências ainda é muito cultural. As pessoas querem ir ao hospital”, garante Sofia Varela. Nem “a divulgação dos tempos de espera tem servido como fator dissuasor”, garante.
“Ainda há muito para fazer”, dizem-nos. Anunciar as diferentes opções, informar sobre as suas vantagens, estimular a mudança de comportamentos e melhorar o acesso aos centros de saúde seriam importantes. Enquanto as mudanças demoram a acontecer, espera que os utentes percebam que as urgências hospitalares devem ser usadas, apenas e só, por quem não pode esperar.
Entrevista a Helena Isabel Almeida, diretora clínica do HFF
Breve história do HFF
